Terapia nos Contos de Fadas (Clarisse Estès)
Embora
os Contos de Fadas terminem logo após a décima página, o mesmo não acontece com
a nossa vida. Somos coleções com vários volumes.
Em
nossa vida ainda que um episódio possa acabar mal, sempre há outro à nossa
espera e depois desse, mais outro.Não devemos perder tempo odiando um
insucesso, porque ele, o insucesso, é um melhor mestre que o sucesso. Escute, aprenda, continue.
Essa é a essência de todo Conto.Quando prestamos atenção a essas mensagens do
passado, aprendemos que há padrões desastrosos, mas também, aprendemos a
prosseguir com a energia de quem percebe as armadilhas e iscas antes de
depararmos com elas ou de sermos nelas ou por elas capturados.
Nos
Contos de Fadas acham-se gravadas idéias infinitamente sábias que durante
séculos se recusaram a se deixar mutilar, desgastar ou matar. As idéias mais
persistentes e sábias estão reunidas nas teias de prata a que chamamos Contos.
Desde a descoberta do Fogo, os seres humanos se sentem atraídos pelos contos
místicos. Por quê? Porque apontam para um fato importante : embora a alma em
sua viagem possa tropeçar ou se perder, no fim ela reencontrará seu coração, sua natureza
divina, sua força, seu caminho para Deus em meio a floresta sombria – ainda que
leve vários episódios ou “dois passos à frente e um atrás” para descobrí-los ou
recuperá-los.
Quer
entendamos um conto de fadas cultural, cognitiva ou
espiritualmente, resta uma certeza: eles sobreviveram à agressão e à opressão
políticas, à ascenção e à queda de civilizações, aos massacres de gerações e a
vastas migrações por terra e mar. Sobreviveram a argumentos, ampliações e
fragmentações. Essas jóias multifacetadas têm, realmente, a dureza de um
diamante, e talvez nisso resida o seu maior mistério e Milagre: os sentimentos grandes e profundos gravados nos Contos
são como o rizoma de uma planta, cuja fonte de alimento permanece viva sob a
superfície do solo mesmo durante o inverno, quando a planta parece não ter vida
discernível à superfície. A essência perene resiste, não importa qual seja a
estação: Tal é o poder do Conto.
A
SABEDORIA MODERNA DOS CONTOS ANTIGOS
Embora
se pense que ler e ouvir Contos de Fadas
seja uma simples transferência do seu conteúdo para os corações e almas jovens
e as dos que jamais envelhecem, o processo é muito complexo. Ouvir e lembrar os
Contos têm um efeito mais semelhante ao de se ligar uma tomada interna. Uma vez
ativados , os Contos evocam um subtexto mais profundo na psique, uma percepção que,
através do inconsciente coletivo, chegou inata , seja antes, durante ou
no momento em que nascemos. Sabemos com certeza que a essência dos Contos é
claramente sentida pelo coração, pela mente,e pela alma do ouvinte. As pessoas
se encantam e essa palavra é
muito mal empregada nos nossos dias, ela na sua acepção original vem da palavra
latina incantare, in, sobre + cantare, cantar, Seria cantar sobre... a fim de criar. Remete a
palavra canto.
Quando
as pessoas escutam Contos, não estão ,
“ouvindo”, mas lembrando ideais
inatos, porque quando o corpo ouve Contos algo ecoa em seu interior.
Por
que contamos e escutamos Contos repetidamente? Eles são como pequenos geradores
que nos lembram de informações essenciais sobre a vida anímica, aquela que
muitas vezes esquecemos por um tempo, com as quais perdemos contato , algo que
ocorre com freqüência durante a nossa vida. Um Conto convida a psique a sonhar
com alguma coisa que lhe parece familiar, mas em geral tem suas origens
enraizadas no passado distante. Ao mergulhar nos Contos , os ouvintes revêem
seus significados, “lêem com o coração”, conselhos metafóricos sobre a vida da
alma.
OS
CONTOS E A IMAGINAÇÃO CRIATIVA
Pensem
nos contos como lanternas mágicas que registram o “espírito do tempo”
(Zeitgeist).
Uma maneira de encarar os Contos, é contá-los
apenas por puro prazer e que é, predominantemente, a razão de ser da maioria
dos contadores de histórias modernos. Encontramos raízes da verdadeira comédia
nas histórias mais antigas da humanidade, em que o bobo, em geral alguém de
muito bom coração, mas pouco atento ao que o cerca, sai aos tropeços pelo
mundo, mas muitas vezes encontra casualmente o seu caminho para o trono, a
riqueza ou o prêmio oferecido. Por mais tolos que sejam os meios, por alguma
razão estão certos, porque vêm direto do coração, ou da fidelidade a Deus, ou
de uma grande intuição, ou de uma magnífica imaginação.
O
uso de histórias para entreter tem suas raízes na palavra intertenere, que significa
inter, entre + tenere, deter. Entreter
significa deter alguma coisa mutuamente, unir entrelaçando. A palavra
contém a idéia de reciprocidade, ou seja, que cada um mantém o outro no estado
ou condição desejada, que tal condição mantém o coração, que a espontaneidade
do riso renova a fé no bem. É assim que “Entreter
“ pode ser entendido como uma necessidade positiva, um grande prazer
terapêutico e uma presença revitalizante.
A
APLICAÇÃO DA MORAL NOS CONTOS
Desde
os tempos imemoriais , alguns contos têm sido usados para fazer proselitismo de
certas maneiras de ser, agir e pensar. São considerados os Contos Morais. Em
geral as Fábulas de Esopo são assim entendidas. Sem dúvida, as crianças são
capazes de entender as mensagens moralizantes
mais eloqüentes, como a interpretação Moral dos Contos e das Fábulas,
mas muitas vezes, as interpretações são simplistas e humilhantes porque contém
ameaças até ao ouvinte, em vez de convidar a alma a ver mais profundamente.
Eles envergonham ao invés de ensinar. Essas histórias não são necessárias de
serem ouvidas pelas crianças, mas elas sobreviveram através dos séculos.
PRECONCEITO
E INTOLERÂNCIA NOS CONTOS
Em
contos do mundo inteiro podemos encontrar grandes distorções históricas. Alguns
arqueólogos, antropólogos, psicólogos de outras épocas , com freqüência transmitiam e incluíam em seu trabalho preconceitos,
principalmente raciais e classistas que, em alguns casos eram chocantes e
grosseiros. A inclusão e a repetição de fortes preconceitos e intolerâncias nas
coleções de Grimm, pareciam antigamente necessária , mas hoje não podem ser
tolerados por razão alguma , principalmente, porque outros contos trazem os mesmos ensinamentos essenciais , mas sem o
escárnio. Tais contos profanam a vida humana e, decididamente os desumanizam.
A
TRADIÇÃO ORAL E A EVOLUÇÃO DA BUSCA DOS SIGNIFICADOS NOS
CONTOS
A
medida que Contar História é em sua verdadeira essência, um fenômeno subjetivo,
a fim de realmente compreendê-lo, a pessoa precisaria tentar viver dentro da
cultura de contadores de História. O melhor dos cenários, o ideal é que a
pessoa seja um contador orgânico, não um leitor de histórias,
porque há muito a transmitir quando se apreende os detalhes , mas
principalmente partilhando o que se ouve.
Ter
durante a infância uma vida familiar de Contos por transmissão oral, permite à
pessoa ver, sentir e incorporar as muitas nuances com que se depara em um único
Conto de Fadas, durante um período longo de tempo. A medida que a pessoa cresce
e amadurece , continuamente descobre novas camadas de significação nos Contos
até ela dominar a arte de contar.
Os
Contos são entendidos e percebidos em função da idade que são lidos ou ouvidos.
As
crianças na fase anímica e analógica vão ser mais sensíveis às imagens
representadas nos Contos por metáforas, até se tornarem maiores e saberem
discernir essas imagens, mas certamente, sem nunca esquecer “que um dia choveu
canivete” e eles foram à janela ver os canivetes!As crianças aprendem que as
imagens são muitas vezes usadas para descrever a essência de uma idéia, que são
uma espécie de símbolo imaginativo. Uma
linguagem simbólica.
Mesmo
quando envelhecemos conservamos sempre o pensamento
simbólico, porque é ele que nos permite inventar, inovar e produzir idéias
originais com resultados muitas vezes surpreendentes. Se a linguagem dos
símbolos é a língua materna da Vida Criativa, então as Histórias são o seu veio
A
LINGUAGEM SIMBÓLICA NOS CONTOS
Os
Contos de fadas têm um léxico (dicionário) um vasto grupo de idéias expressas
em palavras e imagens que simbolizam pensamentos universais. No Léxico da
psicologia, por exemplo, a princesa de cabelos dourados não representa uma bela
menina , mas certa beleza da alma e espírito que, metaforicamente, é de ouro e
não pode ser adulterada. Ela também pode ser entendida em um nível mundano e
simples. Não podemos deixar é que a criança que ouve um conto com essa princesa
de cabelos de ouro pense que não é bom ter cabelos castanhos ou pretos, ela
precisa saber que isso é uma metáfora. Uma coisa simbólica.
Texto retirado do livro "Mulheres que correm com os lobos" de Clarissa Pinkola Estés
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