quarta-feira, 30 de maio de 2012

A raposa e o Cavalo




Havia um camponês que no passado tivera um cavalo fiel, mas o animal envelhecera e não podia mais fazer o seu trabalho. Seu dono o alimentava de má vontade e dizia:
- Não tenho mais uso para você, mas continuo a sentir afeto por você, e se me provar que ainda é forte  o bastante para me trazer um leão eu o sustentarei até o fim dos meus dias. Mas agora vai andando, fora do meu estábulo. Enxotou-o para o campo.
O coitado do cavalo ficou muito triste e entrou na mata à procura de abrigo contra o vento e o mau tempo.Ali encontrou uma raposa que lhe perguntou:
- Por que está vagando cabisbaixo e tão solitário?
-  Ai de mim! Exclamou o cavalo. – A avareza  e a honestidade não convivem nada bem. Meu dono esqueceu todos os serviços que lhe prestei durante tantos anos, e porque não consigo mais puxar o arado ele não quer mais me alimentar e me expulsou de casa.
- Sem a menor consideração? Perguntou a raposa.
- Apenas com o único consolo de me dizer que, se me restassem forças suficientes para lhe levar um leão, continuaria a me manter, mas ele sabe muito bem que a tarefa está acima das minhas possibilidades.
A raposa disse então:
- Eu o ajudarei. Deite-se aqui e estique as pernas como se estivesse morto. – O cavalo obedeceu e a raposa foi a toca do leão, não muito longe, e disse ao leão:
- Tem um cavalo morto lá adiante. Venha comigo e terá uma refeição rara. – o leão a acompanhou e quando chegaram onde estava o cavalo a raposa disse ao leão:
 - Você não pode comer aqui à vontade. Faça o seguinte. Vou amarrar o cavalo  em você e aí poderá arrastá-lo para sua toca e comê-lo tranquilamente.
O plano agradou ao leão, que ficou parado junto ao cavalo para que a raposa pudesse amarrá-los. Mas a raposa prendeu as pernas do leão, à cauda do cavalo e apertou o nó de um jeito que ele não pudesse se soltar.
Quando terminou , deu uma palmadinha no ombro do cavalo e disse:
-Puxe meu velho!  puxe!
Então o cavalo se levantou e saiu arrastando o leão. A fera rugiu enfurecida, fazendo os pássaros fugirem para longe. Mas o cavalo não se importou com os rugidos do leão e não parou até chegar à porta do seu dono.
Quando o dono o viu mostrou-se muito contente e lhe disse:
- Você ficará comigo e terá vida mansa enquanto viver. O cavalo passou a ser bem alimentado até morrer!!!
O leão fugiu para a floresta!!!!!!!!


quinta-feira, 24 de maio de 2012

O Rei Barba-de-Melro




Um rei tinha uma filha que era muito linda, mas tão orgulhosa e arrogante que nenhum pretendente a satisfazia. Ela recusava um após outro e ainda zombava deles.
Certa vez, o rei mandou dar uma grande festa, para a qual convidou os homens casadouros de todos os países, próximos e distantes. Todos foram colocados em fila , por posição e categoria: primeiro os reis, depois os duques, os príncipes, os condes, os barões e, por fim os fidalgos.
A princesa passou a fileira em revista, mas achava algum defeito em cada um deles. Mas divertiu-se especialmente à custa de um jovem rei, que tinha o queixo um pouco torto.
- Ora vejam, exclamou ela rindo, este aqui tem queixo como o bico de melro. O rei ficou assim apelidado de queixo-de-melro.
O rei ficou muito zangado com os insultos da filha para os pretendentes e jurou  que ela se casaria com o primeiro mendigo que aparecesse diante de sua porta.
Alguns dia depois, um músico ambulante começou a cantar embaixo da janela da princesa para ganhar uma esmola. Quando o rei ouviu mandou que ele entrasse.
O músico cantou para o rei e sua filha e quando terminou pediu uma humilde doação.
O rei falou: - teu canto me agradou tanto, que quero dar-te a minha filha em casamento.
A princesa se assustou, mas o rei disse:
- Eu fiz o juramento de te dar ao primeiro mendigo e vou cumprir!
Um padre foi chamado e ela teve de casar imediatamente com o mendigo.
O rei então falou: Agora não fica bem que tu , a mulher de um mendigo, continue a viver no meu palácio. Podes partir com o teu marido.
O mendigo levou-a embora e ela teve de seguí-lo a pé.
Quando chegaram a um bosque, ela perguntou:
- A quem pertence este lindo bosque?
“O rei barba-de-melro é o dono seu,
Se o tivesses aceito, seria teu!”
A princesa retrucou:
“Ai de mim, não estaria eu neste estado,
Se o rei barba-de-melro eu tivesse aceitado!”
Passaram depois por uma grande cidade, e ela perguntou de novo: - A quem pertence esta linda cidade?
“O rei barba-de-melro é o dono seu,
Se o tivesses aceito, seria teu!”
A princesa disse :
“Ai de mim não estaria eu neste estado,
Se o reio barba-de-melro eu tivesse aceitado!”
Não me agrada nem um pouco, disse o mendigo, que tu estejas desejando outro homem para marido, não sou bastante bom para ti?
Finalmente chegaram a uma pequena casinha e ela perguntou:
“Meu Deus, que casinha pequenininha!
A quem pertence esta casinha?”
O músico-mendigo respondeu:
- A casa é minha e tua, nós vamos viver juntos nesta casa.
Ela teve que se curvar para passar pela porta baixinha e perguntou:
- Onde estão os criados?
- Que criados? Disse o mendigo. Terás que fazer sozinha o que quiseres ver feito. Acende já o fogo e põe água para ferver , para cozinhar minha comida. Estou muito cansado.
A filha do rei não entendia de acender fogo e cozinhar, foi o mendigo que teve que fazer o que era preciso. Terminada a pequena refeição , foram dormir e pela manhã logo cedo ele a tocou para fora da cama para que cuidasse da casa.
Durante alguns dias eles viveram mal e mal, e as provisões acabaram. O marido disse:
- Mulher, não temos mais nada, tu terás que fazer cestas.
Ele trouxe juncos e ela começou a trançar , mas os juncos feriram suas delicadas mãos.
_ Estou vendo que isso não dará certo, disse o marido, é melhor começares a fiar.
A princesa sentou-se para fiar, mas a linha áspera cortou seus dedos macios que começaram a sangrar.
- Estás vendo, disse o marido, não serves para nada, fiz um mau negócio . Vou tentar outro negócio. Você vai para o mercado para vender potes.
Ai de mim, pensou ela, se no mercado aparecessem pessoas do reino do pai e a vissem ali iam zombar dela. Porém de nada adiantou, ela teve que ir. Da primeira vez compraram  as mercadorias e pagavam o q ela pedia, pois era muito bonita. Muitos nem levavam as vasilhas.  Eles aí viveram um tempo com o que ganharam.
Passado um tempo o marido mandou que ela vendesse mais potes no mercado.  De repente, chegou galopando um sujeito embriagado e meteu o cavalo bem no meio dos potes, quebrando tudo. Ela começou a chorar. – Ai de mim, o que será que meu marido vai dizer? Correu para casa para contar a desgraça que lhe acontecera.
- Para de chorar, disse ele. Eu estive no castelo do nosso rei e você vai trabalhar lá como servente e em paga terá comida de graça.
Ela tornou-se servente de cozinha, comia a sua parte e levava nos bolsos um pote para o marido.
Pouco tempo depois foi anunciado o casamento do filho mais velho do rei. Ela foi olhar no salão para ver o que acontecia Quando as luzes se acenderam e as pessoas começaram a chegar ela pensou tristemente no seu destino e  na sua arrogância que só fazia humilhar a todos .
De repente, na festa entrou o filho de um rei. Trajava bela vestimenta. Quando a viu parada na porta, agarrou-a pela mão para que ela fosse dançar com ele. Ela recusou assustada, pois viu que era o rei barba-de-melro que ela desdenhara com zombarias.
Sua resistência de nada adiantou, pois ele levou-a para o salão. Quando dançavam os potinhos que ela levava com comida para o marido caíram no chão e todos começaram a rir dela . Saiu correndo tentando fugir, mas o homem a agarrou e trouxe de volta, ela o encarou e viu de novo o rei barba-de-melro.
-Ele lhe disse gentilmente:
- Não tenhas medo, eu e o músico com quem moras naquele casebre somos a mesma pessoa. Foi por amor a ti que eu me disfarcei assim. Quem jogou o cavalo quebrando as vasilhas também fui eu. Fiz tudo isso para castigar sua arrogância .
Então, ela chorou amargamente e disse:
- Eu fiz muito mal e não sou digna de ser sua esposa, mas ele retrucou:
- Consola-te, os dias amargos já passaram , agora vamos celebrar nssas bodas.
Vieram as camareiras e vestiram-na com lindos trajes, veio seu pai e toda a corte  para lhes

terça-feira, 15 de maio de 2012

RAPUNZEL



Era uma vez um casal, que há muito tempo desejavam em vão ter uma criança.
O casal tinha no fundo da casa uma janelinha, da qual se podia ver um formoso jardim, cheio de flores e ervas , mas era cercado por um muro alto, e ninguém se atrevia  a entrar ali, porque pertencia a uma feiticeira  que tinha muito poder  e era temida por todos.
Certo dia estava a mulher diante da janelinha , quando viu um canteiro cheio dos mais lindos  raponços , que servem para saladas. Ela sentiu o maior desejo de comer aqueles raponços . O desejo só aumentava e ela estava ficando magra e tristonha. O marido assustado perguntou :
- O que lhe falta , querida mulher?
-Ai, respondeu ela, se eu não puder comer daqueles raponços do jardim da feiticeira , eu vou morrer.
O marido, que muito a amava resolveu tentar agradar a esposa e, ao entardecer pulou  o muro do jardim da feiticeira , arrancou um punhado de raponços  e levou para a sua mulher. Ela fez logo uma salada e comeu tudo com a maior vontade, mas no dia seguinte ela queria mais. O marido que a amava foi novamente pular o muro, mas desta vez a feiticeira apareceu  à sua frente e ele levou um grande susto!
-Como te atreves , disse ela raivosa, a invadir o meu jardim para roubar os meus raponços? Vais te dar mal!!!!!!
-Ai senhora, disse ele, eu só fiz isso pela minha mulher que viu seus raponços pela janela e ficou com muito desejo de comê-los, senão morreria.
Então a feiticeira falou:
-Se o que me disseste for verdade eu deixarei você levar quantos raponços quiseres. Só que tem uma condição: terás que me dar a criança que o bom Deus vos dará!
O homem prometeu, pois a mulher não conseguia ter filhos.
Passou um tempo e a mulher ficou grávida e teve a filha e a feiticeira logo apareceu para fazer cumprir o trato que fizera com o homem. A mulher ficou desesperada, mas nada pode fazer.
A feiticeira colocou o nome na menina de Rapunzel. Era uma linda criança, mas quando ela completou 12 anos, a feiticeira trancou-a numa torre que ficava na floresta e não tinha escada e nem porta. Só lá em cima uma pequena janelinha.Quando a feiticeira queria ir lá em cima gritava:
“Rapunzel, Rapunzel,
Solta teu cabelo!”
Rapunzel tinha cabelos muito longos brilhantes como ouro. Ela os trançava e jogava as tranças para a feiticeira subir.
Alguns anos depois o filho de um rei, cavalgando pela floresta, passou pela torre e ouviu um canto que era tão lindo, que ele parou e ficou a escutar. Era Rapunzel cantando. O príncipe queria subir na torre, mas não encontrou porta. Voltou para casa triste , mas sempre passava por lá para ouvir aquele canto.Um dia estava parado perto de uma árvore, quando escutou a feiticeira a chamar a moça. Ela deixou cair as tranças e o rapaz viu a feiticeira subir.
No dia seguinte ele foi até a torre e também gritou:
“Rapunzel, Rapunzel
Solta o teu cabelo!”
Logo as tranças caíram e ele subiu.
Rapunzel se assustou muito, pois não conhecia homens, mas o príncipe começou a falar sobre o canto que escutara e tinha tocado seu coração. Rapunzel perdeu o medo e disse para ele vir vê-la sempre.
O príncipe perguntou se ela queria casar-se com ele e ela logo aceitou para livrar-se da prisão e da feiticeira. Disse:
- Irei contigo de bom grado, mas não sei se poderei descer, quando voltares , trazes sempre fios de seda e eu tecerei uma trança para que possa descer e você me levar no seu cavalo.
Combinaram que ele viria sempre ao anoitecer, porque cedo a feiticeira ia sempre.
Um dia rapunzel perguntou à feiticeira.
-Dize-me , como é isso, que me é muito mais difícil e pesado puxar-te para cima, do que o jovem filho do rei, que chega aqui num instante?
-Ó menina endiabrada, gritou a feiticeira, o que está me dizendo. Fui enganada?
Na sua raiva pegou o cabelo de Rapunzel e cortou  bem curto. Levou a moça para um lugar solitário e deserto, para que ela ficasse .
No mesmo dia que prendeu a moça ela pegou o cabelo cortado e fez uma trança prendendo no gancho da janela da torre, quando o príncipe chegou e gritou.
“Rapunzel, Rapunzel,
Solta teu cabelo!”
A feiticeira deixou cair a trança. O príncipe subiu, mas lá em cima não encontrou   a sua amada, e sim a feiticeira.
- Aha!!!! Gritou ela, veio buscar sua amada, mas ela já está presa em outro lugar  e você não mais a verá !Vou furar teus olhos!!! Ele gritou de dor e pulou da torre e os espinhos embaixo furaram mais seus olhos e ele ficou cego e vagando sem rumo pela floresta.
Andou sem rumo por muito tempo na floresta, até que um dia ouviu a voz da amada e, dirigiu-se para o lugar de onde vinha a voz  e Rapunzel quando o viu reconheceu-o  e caiu em seus braços chorando. As lágrimas dela caíram nos olhos do rapaz e ele voltou a enxergar novamente.
O príncipe muito feliz levou-a para o seu reino e foram felizes.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Um artigo sobre a leitura



Artigo: “A sedutora história da leitura”
Elias Thomé Saliba
Historiador, Professor da USP e autor dos livros Raízes do Riso (2002) e As
Utopias Românticas (1994)



Um livro só começa a existir quando um leitor o abre. Esta afirmação resume o novo olhar dos historiadores em relação à leitura. Durante muito tempo eles mantiveram frente à leitura uma atitude linear, supondo-a invariável, natural a todas as pessoas de todas as épocas. Hoje, inúmeras pesquisas nos ensinam a ver no gesto trivial de ler um texto, uma variação quase infinita, possível de ser reconstituída nos diversos momentos da história.
Claro que a difusão do "livro com páginas" tal como o conhecemos, assim como a primeira revolução na história do livro - a invenção da imprensa no século XV - provocaram um alargamento enorme do número de leitores. A segunda grande mutação nas maneiras de ler ocorreu no final do século XVIII com a passagem de hábitos intensivos de leitura - a leitura constante e repetida de textos de caráter religioso (a Bíblia era o grande best-seller!) – para hábitos extensivos de leitura do leitor moderno, que (mal) lê vários livros, ávido por novidades.
Mas a leitura "intensiva" não chega a desaparecer, pois o advento do romance coincidiu com a disseminação de modos emocionais de leitura. Rousseau exigiu que o seu A Nova Heloísa fosse "lido tão intensamente quanto a Bíblia", o que realmente ocorreu, provocando nas leitoras desmaios, choros convulsivos e, no limite, suicídios. Com os olhos de hoje, distraídos pelo caleidoscópio de imagens nas telas, fica difícil concebermos a força  desta paixão incendiária provocada pela leitura.
Sedução pela leitura? Ler em público era, antes do advento do marketing e da noite de autógrafos, a melhor maneira de um autor obter público para seus livros. O poeta Dylan Thomas, em alto estado etílico, encantava com sua belíssima poesia cantada nos bares, coisa só percebida na língua original.
Mas, na inspirada tradução de Ivan Junqueira, os leitores podem ter uma idéia:
 Em meu ofício ou arte taciturna/
 Exercido na noite silenciosa/
 Quando somente a lua se enfurece /
 Trabalho junto à luz que canta/
 Não por glória ou pão/
 Nem por pompa ou tráfico de encantos/
 Nos palcos de marfim/
 Mas pelo mínimo salário/
 Do seu mais secreto coração.
 Difícil imaginar tais versos, como revelam os arquivos, reproduzidos por inúmeros leitores que os enviavam, junto com as flores, às namoradas distantes.
Difícil, mas não impossível, já que no final do século XIX o público leitor atingiu a alfabetização em massa. A "era de ouro" da leitura foi também a  última a ver o livro ainda imune à competição com outros meios de comunicação - TV, internet e todo o sofisticado aparato da mídia eletrônica do século XX. Ler numa tela não é o mesmo que ler num livro com páginas.
Estaríamos hoje diante de uma terceira revolução da leitura? Independente da imprevisível resposta, esta recente história da leitura empolga e surpreende. Porque é a história de uma prática ligada talvez ao  mais espetacular instrumento utilizado pelo homem.
Que afinal, vem confirmar o que Jorge Luis Borges disse certa vez, de forma definitiva, sobre o livro: O microscópio e o telescópio são extensões da nossa visão; o telefone é a extensão da nossa voz; em seguida, temos o arado e a espada, extensões do nosso braço. O livro, porém, é outra coisa:
o livro é uma extensão da nossa memória e da nossa imaginação.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

CONTOS DE FADAS




        Terapia nos Contos de Fadas (Clarisse Estès)

Embora os Contos de Fadas terminem logo após a décima página, o mesmo não acontece com a nossa vida. Somos coleções com vários volumes.
Em nossa vida ainda que um episódio possa acabar mal, sempre há outro à nossa espera e depois desse, mais outro.Não devemos perder tempo odiando um insucesso, porque ele, o insucesso, é um melhor mestre  que o sucesso. Escute, aprenda, continue. Essa é a essência de todo Conto.Quando prestamos atenção a essas mensagens do passado, aprendemos que há padrões desastrosos, mas também, aprendemos a prosseguir com a energia de quem percebe as armadilhas e iscas antes de depararmos com elas ou de sermos nelas ou por elas capturados.

Nos Contos de Fadas acham-se gravadas idéias infinitamente sábias que durante séculos se recusaram a se deixar mutilar, desgastar ou matar. As idéias mais persistentes e sábias estão reunidas nas teias de prata a que chamamos Contos. Desde a descoberta do Fogo, os seres humanos se sentem atraídos pelos contos místicos. Por quê? Porque apontam para um fato importante : embora a alma em sua viagem possa tropeçar ou se perder, no fim ela  reencontrará seu coração, sua natureza divina, sua força, seu caminho para Deus em meio a floresta sombria – ainda que leve vários episódios ou “dois passos à frente e um atrás” para descobrí-los ou recuperá-los.
Quer entendamos um conto  de fadas cultural, cognitiva ou espiritualmente, resta uma certeza: eles sobreviveram à agressão e à opressão políticas, à ascenção e à queda de civilizações, aos massacres de gerações e a vastas migrações por terra e mar. Sobreviveram a argumentos, ampliações e fragmentações. Essas jóias multifacetadas têm, realmente, a dureza de um diamante, e talvez nisso resida o seu maior mistério e Milagre: os sentimentos grandes e profundos gravados nos Contos são como o rizoma de uma planta, cuja fonte de alimento permanece viva sob a superfície do solo mesmo durante o inverno, quando a planta parece não ter vida discernível à superfície. A essência perene resiste, não importa qual seja a estação: Tal é o poder do Conto.

A SABEDORIA MODERNA  DOS CONTOS ANTIGOS

Embora se pense que ler e ouvir  Contos de Fadas seja uma simples transferência do seu conteúdo para os corações e almas jovens e as dos que jamais envelhecem, o processo é muito complexo. Ouvir e lembrar os Contos têm um efeito mais semelhante ao de se ligar uma tomada interna. Uma vez ativados , os Contos evocam um subtexto mais profundo na psique, uma percepção que, através do inconsciente coletivo, chegou inata , seja antes, durante ou no momento em que nascemos. Sabemos com certeza que a essência dos Contos é claramente sentida pelo coração, pela mente,e pela alma do ouvinte. As pessoas se encantam e essa palavra é muito mal empregada nos nossos dias, ela na sua acepção original vem da palavra latina incantare, in, sobre + cantare, cantar, Seria cantar sobre... a fim de criar. Remete a palavra canto.
Quando as pessoas escutam Contos, não  estão , “ouvindo”, mas lembrando ideais inatos, porque quando o corpo ouve Contos algo ecoa em seu interior.
Por que contamos e escutamos Contos repetidamente? Eles são como pequenos geradores que nos lembram de informações essenciais sobre a vida anímica, aquela que muitas vezes esquecemos por um tempo, com as quais perdemos contato , algo que ocorre com freqüência durante a nossa vida. Um Conto convida a psique a sonhar com alguma coisa que lhe parece familiar, mas em geral tem suas origens enraizadas no passado distante. Ao mergulhar nos Contos , os ouvintes revêem seus significados, “lêem com o coração”, conselhos metafóricos sobre a vida da alma.

OS CONTOS E A IMAGINAÇÃO CRIATIVA

Pensem nos contos como lanternas mágicas que registram o “espírito do tempo” (Zeitgeist).
 Uma maneira de encarar os Contos, é contá-los apenas por puro prazer e que é, predominantemente, a razão de ser da maioria dos contadores de histórias modernos. Encontramos raízes da verdadeira comédia nas histórias mais antigas da humanidade, em que o bobo, em geral alguém de muito bom coração, mas pouco atento ao que o cerca, sai aos tropeços pelo mundo, mas muitas vezes encontra casualmente o seu caminho para o trono, a riqueza ou o prêmio oferecido. Por mais tolos que sejam os meios, por alguma razão estão certos, porque vêm direto do coração, ou da fidelidade a Deus, ou de uma grande intuição, ou de uma magnífica imaginação.
O uso de histórias para entreter tem suas raízes na palavra intertenere, que significa inter, entre + tenere, deter. Entreter significa deter alguma coisa mutuamente, unir entrelaçando. A palavra contém a idéia de reciprocidade, ou seja, que cada um mantém o outro no estado ou condição desejada, que tal condição mantém o coração, que a espontaneidade do riso renova a fé no bem. É assim que “Entreter “ pode ser entendido como uma necessidade positiva, um grande prazer terapêutico e uma presença revitalizante.

A  APLICAÇÃO DA MORAL NOS CONTOS

Desde os tempos imemoriais , alguns contos têm sido usados para fazer proselitismo de certas maneiras de ser, agir e pensar. São considerados os Contos Morais. Em geral as Fábulas de Esopo são assim entendidas. Sem dúvida, as crianças são capazes de entender as mensagens moralizantes  mais eloqüentes, como a interpretação Moral dos Contos e das Fábulas, mas muitas vezes, as interpretações são simplistas e humilhantes porque contém ameaças até ao ouvinte, em vez de convidar a alma a ver mais profundamente. Eles envergonham ao invés de ensinar. Essas histórias não são necessárias de serem ouvidas pelas crianças, mas elas sobreviveram através dos séculos.

PRECONCEITO E INTOLERÂNCIA NOS CONTOS

Em contos do mundo inteiro podemos encontrar grandes distorções históricas. Alguns arqueólogos, antropólogos, psicólogos de outras épocas , com freqüência  transmitiam e incluíam em seu trabalho preconceitos, principalmente raciais e classistas que, em alguns casos eram chocantes e grosseiros. A inclusão e a repetição de fortes preconceitos e intolerâncias nas coleções de Grimm, pareciam antigamente necessária , mas hoje não podem ser tolerados por razão alguma , principalmente, porque outros contos trazem  os mesmos ensinamentos essenciais , mas sem o escárnio. Tais contos profanam a vida humana e, decididamente os desumanizam.

A TRADIÇÃO ORAL E A EVOLUÇÃO DA BUSCA DOS SIGNIFICADOS NOS
CONTOS

A medida que Contar História é em sua verdadeira essência, um fenômeno subjetivo, a fim de realmente compreendê-lo, a pessoa precisaria tentar viver dentro da cultura de contadores de História. O melhor dos cenários, o ideal é que a pessoa seja um contador orgânico, não um leitor de histórias, porque há muito a transmitir quando se apreende os detalhes , mas principalmente partilhando o que se ouve.
Ter durante a infância uma vida familiar de Contos por transmissão oral, permite à pessoa ver, sentir e incorporar as muitas nuances com que se depara em um único Conto de Fadas, durante um período longo de tempo. A medida que a pessoa cresce e amadurece , continuamente descobre novas camadas de significação nos Contos até ela dominar a arte de contar.
Os Contos são entendidos e percebidos em função da idade que são lidos ou ouvidos.
As crianças na fase anímica e analógica vão ser mais sensíveis às imagens representadas nos Contos por metáforas, até se tornarem maiores e saberem discernir essas imagens, mas certamente, sem nunca esquecer “que um dia choveu canivete” e eles foram à janela ver os canivetes!As crianças aprendem que as imagens são muitas vezes usadas para descrever a essência de uma idéia, que são uma espécie  de símbolo imaginativo. Uma linguagem simbólica.
Mesmo quando envelhecemos conservamos sempre o pensamento simbólico, porque é ele que nos permite inventar, inovar e produzir idéias originais com resultados muitas vezes surpreendentes. Se a linguagem dos símbolos é a língua materna da Vida Criativa, então as Histórias são o seu veio

A LINGUAGEM SIMBÓLICA NOS CONTOS

Os Contos de fadas têm um léxico (dicionário) um vasto grupo de idéias expressas em palavras e imagens que simbolizam pensamentos universais. No Léxico da psicologia, por exemplo, a princesa de cabelos dourados não representa uma bela menina , mas certa beleza da alma e espírito que, metaforicamente, é de ouro e não pode ser adulterada. Ela também pode ser entendida em um nível mundano e simples. Não podemos deixar é que a criança que ouve um conto com essa princesa de cabelos de ouro pense que não é bom ter cabelos castanhos ou pretos, ela precisa saber que isso é uma metáfora. Uma coisa simbólica.

Texto retirado do livro "Mulheres que correm com os lobos"  de Clarissa Pinkola Estés