segunda-feira, 7 de maio de 2012

CONTOS DE FADAS




        Terapia nos Contos de Fadas (Clarisse Estès)

Embora os Contos de Fadas terminem logo após a décima página, o mesmo não acontece com a nossa vida. Somos coleções com vários volumes.
Em nossa vida ainda que um episódio possa acabar mal, sempre há outro à nossa espera e depois desse, mais outro.Não devemos perder tempo odiando um insucesso, porque ele, o insucesso, é um melhor mestre  que o sucesso. Escute, aprenda, continue. Essa é a essência de todo Conto.Quando prestamos atenção a essas mensagens do passado, aprendemos que há padrões desastrosos, mas também, aprendemos a prosseguir com a energia de quem percebe as armadilhas e iscas antes de depararmos com elas ou de sermos nelas ou por elas capturados.

Nos Contos de Fadas acham-se gravadas idéias infinitamente sábias que durante séculos se recusaram a se deixar mutilar, desgastar ou matar. As idéias mais persistentes e sábias estão reunidas nas teias de prata a que chamamos Contos. Desde a descoberta do Fogo, os seres humanos se sentem atraídos pelos contos místicos. Por quê? Porque apontam para um fato importante : embora a alma em sua viagem possa tropeçar ou se perder, no fim ela  reencontrará seu coração, sua natureza divina, sua força, seu caminho para Deus em meio a floresta sombria – ainda que leve vários episódios ou “dois passos à frente e um atrás” para descobrí-los ou recuperá-los.
Quer entendamos um conto  de fadas cultural, cognitiva ou espiritualmente, resta uma certeza: eles sobreviveram à agressão e à opressão políticas, à ascenção e à queda de civilizações, aos massacres de gerações e a vastas migrações por terra e mar. Sobreviveram a argumentos, ampliações e fragmentações. Essas jóias multifacetadas têm, realmente, a dureza de um diamante, e talvez nisso resida o seu maior mistério e Milagre: os sentimentos grandes e profundos gravados nos Contos são como o rizoma de uma planta, cuja fonte de alimento permanece viva sob a superfície do solo mesmo durante o inverno, quando a planta parece não ter vida discernível à superfície. A essência perene resiste, não importa qual seja a estação: Tal é o poder do Conto.

A SABEDORIA MODERNA  DOS CONTOS ANTIGOS

Embora se pense que ler e ouvir  Contos de Fadas seja uma simples transferência do seu conteúdo para os corações e almas jovens e as dos que jamais envelhecem, o processo é muito complexo. Ouvir e lembrar os Contos têm um efeito mais semelhante ao de se ligar uma tomada interna. Uma vez ativados , os Contos evocam um subtexto mais profundo na psique, uma percepção que, através do inconsciente coletivo, chegou inata , seja antes, durante ou no momento em que nascemos. Sabemos com certeza que a essência dos Contos é claramente sentida pelo coração, pela mente,e pela alma do ouvinte. As pessoas se encantam e essa palavra é muito mal empregada nos nossos dias, ela na sua acepção original vem da palavra latina incantare, in, sobre + cantare, cantar, Seria cantar sobre... a fim de criar. Remete a palavra canto.
Quando as pessoas escutam Contos, não  estão , “ouvindo”, mas lembrando ideais inatos, porque quando o corpo ouve Contos algo ecoa em seu interior.
Por que contamos e escutamos Contos repetidamente? Eles são como pequenos geradores que nos lembram de informações essenciais sobre a vida anímica, aquela que muitas vezes esquecemos por um tempo, com as quais perdemos contato , algo que ocorre com freqüência durante a nossa vida. Um Conto convida a psique a sonhar com alguma coisa que lhe parece familiar, mas em geral tem suas origens enraizadas no passado distante. Ao mergulhar nos Contos , os ouvintes revêem seus significados, “lêem com o coração”, conselhos metafóricos sobre a vida da alma.

OS CONTOS E A IMAGINAÇÃO CRIATIVA

Pensem nos contos como lanternas mágicas que registram o “espírito do tempo” (Zeitgeist).
 Uma maneira de encarar os Contos, é contá-los apenas por puro prazer e que é, predominantemente, a razão de ser da maioria dos contadores de histórias modernos. Encontramos raízes da verdadeira comédia nas histórias mais antigas da humanidade, em que o bobo, em geral alguém de muito bom coração, mas pouco atento ao que o cerca, sai aos tropeços pelo mundo, mas muitas vezes encontra casualmente o seu caminho para o trono, a riqueza ou o prêmio oferecido. Por mais tolos que sejam os meios, por alguma razão estão certos, porque vêm direto do coração, ou da fidelidade a Deus, ou de uma grande intuição, ou de uma magnífica imaginação.
O uso de histórias para entreter tem suas raízes na palavra intertenere, que significa inter, entre + tenere, deter. Entreter significa deter alguma coisa mutuamente, unir entrelaçando. A palavra contém a idéia de reciprocidade, ou seja, que cada um mantém o outro no estado ou condição desejada, que tal condição mantém o coração, que a espontaneidade do riso renova a fé no bem. É assim que “Entreter “ pode ser entendido como uma necessidade positiva, um grande prazer terapêutico e uma presença revitalizante.

A  APLICAÇÃO DA MORAL NOS CONTOS

Desde os tempos imemoriais , alguns contos têm sido usados para fazer proselitismo de certas maneiras de ser, agir e pensar. São considerados os Contos Morais. Em geral as Fábulas de Esopo são assim entendidas. Sem dúvida, as crianças são capazes de entender as mensagens moralizantes  mais eloqüentes, como a interpretação Moral dos Contos e das Fábulas, mas muitas vezes, as interpretações são simplistas e humilhantes porque contém ameaças até ao ouvinte, em vez de convidar a alma a ver mais profundamente. Eles envergonham ao invés de ensinar. Essas histórias não são necessárias de serem ouvidas pelas crianças, mas elas sobreviveram através dos séculos.

PRECONCEITO E INTOLERÂNCIA NOS CONTOS

Em contos do mundo inteiro podemos encontrar grandes distorções históricas. Alguns arqueólogos, antropólogos, psicólogos de outras épocas , com freqüência  transmitiam e incluíam em seu trabalho preconceitos, principalmente raciais e classistas que, em alguns casos eram chocantes e grosseiros. A inclusão e a repetição de fortes preconceitos e intolerâncias nas coleções de Grimm, pareciam antigamente necessária , mas hoje não podem ser tolerados por razão alguma , principalmente, porque outros contos trazem  os mesmos ensinamentos essenciais , mas sem o escárnio. Tais contos profanam a vida humana e, decididamente os desumanizam.

A TRADIÇÃO ORAL E A EVOLUÇÃO DA BUSCA DOS SIGNIFICADOS NOS
CONTOS

A medida que Contar História é em sua verdadeira essência, um fenômeno subjetivo, a fim de realmente compreendê-lo, a pessoa precisaria tentar viver dentro da cultura de contadores de História. O melhor dos cenários, o ideal é que a pessoa seja um contador orgânico, não um leitor de histórias, porque há muito a transmitir quando se apreende os detalhes , mas principalmente partilhando o que se ouve.
Ter durante a infância uma vida familiar de Contos por transmissão oral, permite à pessoa ver, sentir e incorporar as muitas nuances com que se depara em um único Conto de Fadas, durante um período longo de tempo. A medida que a pessoa cresce e amadurece , continuamente descobre novas camadas de significação nos Contos até ela dominar a arte de contar.
Os Contos são entendidos e percebidos em função da idade que são lidos ou ouvidos.
As crianças na fase anímica e analógica vão ser mais sensíveis às imagens representadas nos Contos por metáforas, até se tornarem maiores e saberem discernir essas imagens, mas certamente, sem nunca esquecer “que um dia choveu canivete” e eles foram à janela ver os canivetes!As crianças aprendem que as imagens são muitas vezes usadas para descrever a essência de uma idéia, que são uma espécie  de símbolo imaginativo. Uma linguagem simbólica.
Mesmo quando envelhecemos conservamos sempre o pensamento simbólico, porque é ele que nos permite inventar, inovar e produzir idéias originais com resultados muitas vezes surpreendentes. Se a linguagem dos símbolos é a língua materna da Vida Criativa, então as Histórias são o seu veio

A LINGUAGEM SIMBÓLICA NOS CONTOS

Os Contos de fadas têm um léxico (dicionário) um vasto grupo de idéias expressas em palavras e imagens que simbolizam pensamentos universais. No Léxico da psicologia, por exemplo, a princesa de cabelos dourados não representa uma bela menina , mas certa beleza da alma e espírito que, metaforicamente, é de ouro e não pode ser adulterada. Ela também pode ser entendida em um nível mundano e simples. Não podemos deixar é que a criança que ouve um conto com essa princesa de cabelos de ouro pense que não é bom ter cabelos castanhos ou pretos, ela precisa saber que isso é uma metáfora. Uma coisa simbólica.

Texto retirado do livro "Mulheres que correm com os lobos"  de Clarissa Pinkola Estés



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